segunda-feira, 7 de abril de 2008

SANGUE NO PESCOÇO DO GATO



Para inaugurar esse cantinho, quero começar falando de um projeto do qual venho participando nos últimos 4 meses. Estou falando do espetáculo "Sangue no pescoço do gato", uma peça do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder. Esse espetáculo é a peça de formatura dos alunos formandos da Escola de Teatro Leonardo Alves, onde eu também me formei em teatro. A estréia ocorreu no dia 07/03 e teve mais 3 apresentações na própria escola. Agora os atores estão se preparando para migrar pra Fundição Progresso, tradicional point na Lapa (Rio de Janeiro). A direção é de Márcio Moreira (fundador da Comapanhia de Atores Invisíveis e professor de interpretação na ETLA), a assistência de direção é deste que vos escreve e a edição de vídeos e escolha da trilha sonora é de Kátia Jorgensen. Ainda vamos falar muito dessa peça aqui no blog. Trarei sempre atualizações e novidades sobre ela, incluindo entrevista com os atores, com o diretor, entre outras coisas.

O enredo da peça é o seguinte:

Phoebe Zeigeist (ou Espírito dos Tempos) foi enviada a Terra de um planeta distante para fazer uma reportagem sobre os humanos. Porém, ela se encontra em dificuldades porque não entende a língua dos humanos. Junto de Phoebe, temos em cena 9 personagens, que podemos caracterizar como esteriótipos de uma sociedade de classe média. E esses personagens interagem entre si, enquanto Phoebe os observa e vai aprendendo a falar, falando coisas soltas, que ela sequer pode compreender o significado.

A peça é impactante do início ao fim! Logo de cara, ao abrir as cortinas, nos deparamos com todos os personagens... mortos! Sim, todos estão mortos e Phoebe está sentada em uma cadeira, de cabeça baixa. O cenário é a coisa mais simples possível: Uma cadeira comum, uma cadeira acolchoada, uma mesa e um cubo - todos vermelhos da cor de sangue. Ao fundo da parede, uma inovadora surpresa: uma projeção de imagem em vídeo, mais conhecida como projeção de cinema. Não sei afirmar se isso é inédito na história do teatro, mas que foi uma ousadia de primeira por parte do diretor Márcio Moreira, isso foi!

O espetáculo tem início com um clip de abertura no telão, com a música "There There" da banda Radiohead ao fundo. Neste clip, são exibidas várias imagens, em espcial algumas da Terra no espaço, e a cada intervalo de imagem, aparecem os atores que estarão estrelando a peça, como se fosse um filme. Idéia genial e um referencial claro ao autor do texto, que é cineasta. Uma bela mescla de cinema e teatro. Em meio a música, os personagens, mortos no chão até o momento, começam a se levantar aos poucos e olham em volta como se estivessem acordando de um sonho, tendo olhares e reações de compreensão do tipo "onde estou, o que aconteceu, quem sou eu e o que estou fazendo aqui." A exceção de Phoebe, começam a caminhar pelo espaço e conforme a música fica mais intensa, a caminhada deles também, e todos começam a se trombar e fica uma tremenda confusão em um rítmo frenético, passando assim uma imagem de caos total. Ao terminar a música, todos param de frente para o público e uma voz anuncia quem é Phoebe. E a coisa começa pra valer.

A peça possui 3 atos. No 1° ato, os 9 personagens se apresentam através de um monólogo. Eles falam de si mesmos tentando interagir com Phoebe, que nada fala (afinal, ela não conhece a língua), mas observa e repete os gestos que vê. A impressão que dá é que ao mesmo tempo que ela está ali, é como se ela não estivesse. Então vemos a apresentação dos personagens: O Policial, O Açougueiro, O Gigolô, O Soldado, O Professor, A Mulher do Soldado Morto, A Moça, A Modelo e A Amante. Os personagens não tem nome, estão esteriotipados, mas são bem humanos, apresentando características presentes em todos nós, seja no comportamento social ou no comportamento humano que cada um tem dentro de si. Enquanto cada um está fazendo seu monólogo, ao fundo do telão (que nunca fica desligado durante o espetáculo) rolam imagens opostas dos personagens, que contrastam tudo que eles estão falando e fazendo, gerando no público aquela dúvida do que isso significaria e o que chama mais atenção, as imagens ou a cena?

Na transição do primeiro para o segundo ato, vemos mais coisas que chamam atenção. Os personagens vão interagir entre si em diálogos. Todos os personagens dialogam neste ato, ninguém fica sem falar com ninguém. Temos 9 personagens e 36 diálogos nessa seqüência. É interessante observar que nenhum diálogo tem relação com outro e nenhum personagem tem ligação entre si, e que a cada diálogo, os personagens agem de acordo com a situação que está rolando, e mais: Phoebe começa a falar. Ao final de cada diálogo, a alienígena repete alguma coisa que foi dita pelos personagens. Frases soltas que ela ouviu e repetiu, e obviamente, não sabe o significado. No meio do segundo ato, ao invés de ficar só repetindo as palavras, ela passa a interagir com ações físicas, o que demonstra que a personagem está tentando se "humanizar". Outra coisa que chama atenção é o rítmo que os atores colocam nesses diálogos. Dentro desses diálogos, temas diversos são abordados a cada cena: briga, amor, roubo, traição, dinheiro, amizade, sexo, homosexualismo, cafetinagem, casamento e etc. Várias situações que vemos no cotidiano da nossa sociedade e como as pessoas se comportam dentro dela e como são verdadeiramente no seu "eu" interior.
Enquanto uma cena está rolando, do lado de fora da cena (e dentro do palco), tem uma dupla posicionada para entrar assim que a cena terminar. Os atores estão incorporados nos personagens e na situação que eles vão viver no diálogo assim que a cena que está em pauta terminar. Acho que minha explicação não foi muito coerente, mas é difícil definir em palavras o que é isso. Outro detalhe que chama a atenção: durante os diálogos, cenas diversas estão rolando no telão. Vemos desde 11 de Setembro a baile funk, Xuxa, Hebe Camargo, Hamlet, Osama Bin Laden, Adolph Hitler, e até uma impactante cena de sexo gay. Imagens desconexas do mundo, impactando, gerando dúvidas sobre o que estão fazendo ali e acima de tudo, refletindo em temáticas de comportamento humano inseridas na peça.


Ao encerrar o 2° ato, vamos para o 3°, onde está rolando uma festa e todos os personagens vão interagir, inclusive Phoebe. O texto é o mais desconexo possível, nada faz sentido diante do que já foi visto até então. E Phoebe começa a interagir no papo com as pessoas usando todas as palavras que ela havia aprendido enquanto observava. Embora ela tenha entendido as palavras e tenha conseguido aprender a dizê-las, ela não entendeu o significado de nada. Então sempre que fala, Phoebe fala coisas sem saber o sentido e gera uma tremenda confusão no ambiente. Paralelo a isso, por ser uma festa, os personagens aos poucos começam a soltar a sua verdadeira personalidade, aquela que era mostrada como contraste no telão no primeiro ato. Acoada por não entender o que está acontecendo e ver as pessoas se voltando contra ela por causa das coisas que estava dizendo, Phoebe reage como um animal acoado, ela mata, ataca pra se defender daquilo que ela não está entendendo e teme que possa fazer mal a ela. Com uma mordida no pescoço, semelhante a um vampiro, ela vai matando um por um, até todos caírem mortos e ela se ver ali, sozinha, tentando entender o sentido de tudo e o que ela de fato aprendeu sobre os humanos. Então Phoebe abaixa a cabeça, as luzes apagam e ouve-se uma explosão e um miado de gato, e no telão, começam a subir os créditos da peça, com o nome dos atores e seus respectivos personagens e a ficha técnica - mais uma vez evocando ao cinema, como se o espetáculo tivesse sido um filme. Cartada de mestre!

O interessante é observar a mesma imagem do início do espetáculo no final: todos mortos e Phoebe sentada no meio deles. É o tipo de coisa que gera uma série de questionamentos sobre o que está acontecendo no mundo, se dentro da nossa sociedade nós vemos coisas desse tipo, quero dizer, a metáfora representativa através de Phoebe é que o ser humano é o principal responsável pela sua própria destruição. E as máscaras que cada um de nós veste para o mundo nos faz questionar a necessidade e os porquês de cada comportamento em situações diferentes. É uma peça que faz a platéia sair do teatro pensando e querendo entender o sentido disso tudo, e que provoca um choque. Existem situações de humor dentro da peça também, mas são situações onde o humor é negro e ao mesmo tempo, natural, sem forçar, o que equilibra a energia da peça, por ser um texto dificil e forte, tanto para os atores quanto para a platéia.

Destaque para Lanna Jacomo fazendo a Phoebe, que rouba a cena e se supera em cada apresentação! Um trabalho pra aplaudir de pé devido a tantas mudanças corporais e expressivas durante o espetáculo e que vai num crescente do início ao fim!
Os outros atores também estão muito incorporados aos seus personagens, valendo destacar Rafhael Garcez, que desenvolveu um trabalho de expressão corporal louvável e com cenas ousadas que garantem ótimas cenas; Luana Duccini com sua Modelo, trazendo um trabalho de interpretação muito firme e uma expressão muito boa; Silvana Medeiros e sua Amante firme e poderosa, dona de si e super autêntica, passando a segurança na expressão da atriz; Márcia Borges e a sua viúva sofrida e cheia de convicções, com uma interpretação bárbara; Marcelo José e sua energia intensa no Policial; Esthevan Poubel como um soldado que oscila entre a seriedade e um jeito moleque que garante algumas risadas durante a peça; Lucas Abbondati com um Açougueiro de dupla personalidade, a de menino sofrido e a de lunático; Roberta Moreira e sua Moça que está em conflito constante sobre a transição entre ser e deixar de ser moça pra virar mulher; Karine Coelho com uma Amante diferente, jovem e com uma personalidade diferente; e por último, o ator convidado Marcel Cavalcante, que dá uma aula de interpretação como Professor e seu conflito homossexual de "ser ou não ser", garantindo sem dúvida as melhores cenas do espetáculo.

"Sangue no pescoço do gato" é sem dúvidas uma peça de muita qualidade e que merece ser vista por todos que apreciam um bom teatro. Sempre que possível, estarei trazendo coisas sobre esta peça, inclusive as datas de apresentação na Fundição Progresso. Quem quiser conferir algumas fotos do espetáculo, é só clikar em http://www.etla.com.br/sangue/index.htm ou então a comunidade do orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=48087850

Por enquanto é só. Espero que apreciem e deixem seus comentários.


SANGUE NO PESCOÇO DO GATO
DIREÇÃO: Marcio Moreira
ASSISTENTES DE DIREÇÃO: Yuri Calandrino e Raphael Pinta
EDIÇÃO DE VÍDEOS E TRILHA SONORA: Katia Jorgensen
ELENCO: Lanna Jacomo; Marcelo José; Lucas Abbondati; Rafhael Garcez; Esthevan Poubel; Marcel Cavalcante; Márcia Borges; Roberta Moreira; Luana Duccini; Silvana Medeiros & Karine Coelho.

Um comentário:

lanna disse...

Nossaaaaa!!!! q legal vc fazer esse blog Yuri!!! ainda da forma q vc começa, já explicando detalhadamente os acontecimentos das cenas, conegui visualizar direitinho...ta muito bem explicado!!!parábens!! fico muito feliz de ver seu empenho e dedicação com nossa peça.Pode ter certeza q isso tbm está sendo muito benéfico pra vc na parte de direção...vc vai longeeeee rapaz!!!! bjusss