domingo, 26 de outubro de 2008

Sempre vale à pena!

Olá amigos! Poxa, tem tanto tempo que eu não mexo nesse blog. Minha falta de tempo acabou me fazendo deixar o trabalho aqui de lado. Poxa, tem tanta coisa que eu poderia ter escrito nos ultimos 4 meses, mas não deu. Tentarei aos poucos fazer um resgate do Blog, com umas coisas super legais.


Bom, vamos a razão que me trouxe hoje aqui pra atualizar o espaço. Fazia um bom tempo que eu não ia ao teatro, afinal, quando a gente faz teatro e está ensaiando peça, a gente acaba esquecendo que é importante ir ao teatro e assistir colegas de profissão. E neste domingo, eu fui assistir a minha amiga Carla Pompílio, que estreou o seu novo espetáculo no dia 12 de Outubro, no Teatro Ipanema, aqui no Rio.



O espetáculo se chama"Sempre vale à pena". O texto, de Maria Fernanda Gurgel, traz questões contemporâneas super interessantes a respeito de relações humanas em temas diversificados e dividos em esquetes. Nesses temas de relações humanas, são abordados um comportamento de pessoas que vivem na Zona Sul, visto que os bairros (em especial o de Ipanema) citados na peça são todos da Zona Sul; homossexualidade, relações sexuais, solidão, futilidade e relação homem-mulher também são temas abordados no texto. No elenco, Ângela Britto, Flavio Carriço, Windemberg Melo e Carla Pompílio.

Dizem que é muito chato quando a gente dá "spoiler" de um filme/peça ou qualquer outro tipo de espetáculo que as pessoas querem assistir. Mas quem me conhece, sabe que eu sou o chato desmancha prazer que está sempre criticando os trabalhos que eu vejo, seja filme, show, dvd, peça ou qualquer outro tipo de coisa ligado a arte. Portanto, aos desavisados, lá vai: Na continuação desse texto, tem "spoiler"... rsrsrsrs

Acho chegar no teatro, o espectador vai se deparar com um telão, onde os atores estarão falando e debatendo entre si. Um artifício muito bem usado para chamar a atenção do público, enquanto os atores estão em preparação atrás do cortina. Após as cortinas se abrirem, vemos um jogo cênico muito interessante. Os 4 atores vem para a frente do palco e conversam abertamente entre si e com o público, sobre os temas abordados no espetáculo. Isso é muito coisa muito bacana de ver, pois de imediato, vemos aquela questão do teatro aberto, sem máscaras, onde os atores se expoem e mostram ao que vieram.



Na primeira esquete, temos um tema interessante. Um casal de amigos comemoram "Bodas de Prata" de sua amizade. O rapaz, Gustavo Almeida (Windemberg Melo), famoso ginecologista com fama de garanhão, que "papou" na mocidade toda Ipanema e Leblon, se reencontra com Sabrina (Ângela Britto), sua amiga que guardou uma paixão platônica por 25 anos. Entre as várias situações engraçadas em que a personagem de Ângela Britto demonstra um tesão sexual reprimido pelo amigo, temos a revelação de que o rapaz é gay. A esquete é hilária, a interpretação dos atores é magistral, assim como o trabalho corporal da atriz, que consegue passar em cada gesto e partitura de corpo, toda a movimentação de uma mulher que está desesperada há 25 anos para se entregar a um homem que era o garanhão do bairro e ela acaba de descobrir que é gay. No meio da cena, temos uma outra questão abordada, que é a questão de mulheres mal resolvidas sexualmente ou afetivamente recorrerem a analistas, achando que esses profissionais são a solução de seus problemas. É cômico a maneira como a personagem telefona para sua analista no meio da noite para falar de coisas obvias que estavam acontecendo com ela no presente momento. E ainda temos aquela questão do esteriótipo, visto que o personagem Gustavo, o garanhão de Ipanema, de tanto "comer" mulheres e mais mulheres, acabou virando gay. A questão da homossexualidade entre os biotipos mais inesperados da sociedade. Ponto pra autora, que abordou com muita sutileza, mesmo na base da comédia, uma hipocrisia que temos inserida no cotidiano social do Brasil.

Outro recurso cênico que merece um destaque é que a personagem falava com o analista ao telefone, e havia a resposta da analista gravada em audio, ou seja, o público ouvia a resposta. Um ponto bem marcado para a direção do espetáculo, pois geralmente, em cenas com uso de telefone em teatro, muitos atores ficam vendidos e não conseguem transmitir uma veracidade de que estão de fato falando com alguém ao telefone, sem falar que o público é forçado a tentar deduzir respostas de quem está do outro lado da linha pela expressão dos atores, o que não foi necessário nesse caso. Merece destaque também o rítmo e a sintonia de entrosamento dos dois atores nessa cena hilariante, onde questões supostamente banais são criticadas com um humor sarcástico e pernicioso, arrancando altas risadas do público.



Passando para a esquete seguinte, temos um casal com problemas conjugais. A cena mantém o mesmo rítmo e dinamismo da anterior, abrindo com eles se casando e logo em seguida, dormindo na mesma casa. Aqui, temos aquelas discussões básicas de casal como o homem que ronca muito, a mulher com medo de barata e obsessão por limpeza dentro de casa, frescuras do tipo não usar sapatos em casa, roupa de cama limpa, mulher que não suporta o ronco do marido, enfim, situações domésticas que muitas mulheres já viveram e vivem, encenados de forma hilariante com tipos muito bem criados cênicamente por Carla Pompílio e Flavio Carriço.



(Abrindo um parêntese aqui, vale citar que a contra-regragem de alguns objetos de cena é feita pelos próprios atores, o que agrada a mim por exemplo, que gosto desse teatro desmascarado, sem ter aquele compromisso com a perfeição.)



Voltando a peça, temos na seqüencia um embate entre os atores, debatendo a questão de relação h0mem-mulher. 2 casais debatendo problemas diversos em que o espectador certamente vai rir, pois a coisa é toda escrachada na base do sarcasmo, mas com aquelas pitadas de verdade que fazem qualquer pessoa que está assistindo pensar "é exatamente assim" ou "eu já passei por isso".




Em seguida, mais uma esquete com Ângela Britto e Windemberg Melo. Aqui, temos a socialite Lucy, uma daquelas bem peruas mesmo, que não conseguem dar um passo na própria vida sem a consulta de um pai de santo. E um pai de santo fajuto, o Pai Nini de Bento Ribeiro (ou da Gomes Carneiro, como ele prefere) construído pela autora como uma crítica aos pais de santo que vemos em televisão e nos mesmos moldes dos que costumam atender esse tipo de pessoa. Todas as questões abordadas nessa esquete são hilárias, pois as questões que abordam a vida da mulher são se o marido a está traindo, se sua filha está usando maconha e está tendo relações sexuais, e questões que são banalizadas na base da sátira dando a demonstração da futilidade da vida dessas pessoas, a preocupação com a própria imagem diante dos outros e o apêlo desesperado a religião para a solução dos problemas. A figura do pai de santo também é bastante satirizada, com direito a nome fictício, pose de bicha arrogante, promessas surreais de trabalhos para solução de problemas e até mesmo a incorporação de uma pombagira paraguaia. Impagável! Apesar da duração da esquete ser longa, o que acaba sendo um pouco cansativa devido ao excesso de texto, o trabalho dos atores está maravilhoso e arranca boas gargalhadas do público.



E por fim, a última enquete, onde temos Carla Pompílio roubando a cena ao interpretar a Dona Lourdes, uma viúva de 78 anos que se mudou da Tijuca para Ipanema e passa a atazanar a vida de seu vizinho João Arthur, o Arthurzinho. Arthurzinho, cardiologista morador da zona sul, típico Playboy da praia, que tem uma turma do volley, dorme com várias mulheres, passa a ser azucrinado por uma pobre senhora que passa a se meter em sua vida, trazendo uma ambiguidade muito interessante de se analisar. Quem assiste as hilariantes situações apresentadas na esquete pode até dar risada (afinal, não deixam de ser engraçadas), mas por trás de toda a comédia, há um tom crítico sério, onde a questão da solidão de uma pessoa de idade que viveu anos e anos em um determinado lugar cm uma pessoa pode vir a fazer ao se apegar a outra pessoa para espantar essa solidão, mesmo que a nível inconsciente. Novamente, a esquete ficou muito longa, o que a torna um pouco cansativa durante o meio, mas não tira o brilhantismo e nem a riqueza do texto, que faz o público se envolver e criar uma expectativa de como se dará o fim daquelas situações entre Dona Lourdes e Arthurzinho, visto que a velha consegue de um tudo, desde espantar os amigos de praia do playboy, até as mulheres que ele levava para o apartamento de noite. Muito legal e super divertido, a ponto de eu me arriscar a dizer que Dona Lourdes merecia ganhar da autora uma peça exclusivamente para ela.


É importante destacar o trabalho de Carla Pompílio nessa cena. O corporal que a atriz criou, assim como a entonação da voz para a personagem, somadas com sua interpretação, fazem o público crer que de fato estamos diante de uma senhora de 78 anos. E aí entra o trabalho do ator, e um trabalho que agrada muito a mim como ator também, que é a questão do corporal para a criação de um personagem, e como a base da expressão corporal facilita na construção de todo o resto. Citei a Carla como exemplo, pois nesse personagem específico, o trabalho está louvável, mas o mesmo podemos dizer de todos os atores desse espetáculo. A preparação e o trabalho corporal estão 100% entrosados com o rítmo, afinal, comédia só funciona como rítmo dinâmico que não pode decair, e nesse espetáculo, isso não acontece, pois o rítmo não cai!

"Sempre vale à pena" é uma comédia divertidíssima, mas que se analisarmos com profundidade e um tom mais sério, identificaremos personagens que estão aí, no dia a dia contemporâneo da nossa sociedade carioca. Esbarramos com eles o tempo todo. Enfim, é um espetáculo gostoso, divertido e muito bacana pra ser conferido por qualquer pessoa que gosta de se divertir.

Ficam aqui as congratulações a autora, que escreveu um texto solto e dispido de pudores, com muita sutileza de ironias em questões pertinentes e imperando um humor muito gostoso de se assistir. Ficam as congratulações para a direção, impecável em todos os aspectos ao trabalhar as transições, as marcações, os artefatos cênicos, a questão do rítmo corporal, dinamismo e a interpretação dos atores. E claro, as congratulações aos 4 atores que abrilhantaram esse texto delicioso que "Sempre vale à pena" conferir!

Seguem abaixo a divulgação e a ficha da peça:

PEÇA: SEMPRE VALE À PENA
COM: CARLA POMPÍLIO, FLAVIO CARRIÇO, ÂNGELA BRITTO e WINDEMBERG MELO
DIREÇÃO: MÁRCIO VIEIRA

TEXTO: MARIA FERNANDA GURGEL

LOCAL: TEATRO IPANEMA

HORÁRIO: 18:00
DATAS: TODOS OS DOMINGOS (ATÉ O DIA 30 DE NOVEMBRO)
PREÇO: R$30,00 (meia entrada para estudantes/idosos)